Gerard Godet foi um grande patrono do Buddhadharma e um amado amigo para muitos de nós. Quando ele morreu em novembro de 2011, um grande bando de garças migratórias estava voando próximo, e muitos deles pararam sobre sua casa e voaram em círculos. Isso pode ter sido uma homenagem, ou pode ter sido apenas uma coincidência, mas de qualquer maneira foi lindo de se ver.
Ao refletir sobre as qualidades extraordinárias de Gerard como ser humano e praticante, inclusive até a maneira como ele morreu, você se sente alegre e inspirado pelo exemplo de sua história de vida. Um verdadeiro aristocrata, Gerard teve uma humildade natural e uma dignidade discreta que inspiravam o melhor comportamento nas pessoas ao seu redor. De alguma forma, você nunca queria decepcionar Gerard. Sua postura era tão silenciosa e despretensiosa, que dava poucas dicas sobre a prática de atos extravagantes de generosidade que compunham o seu modo de vida.
Nascido em 1924, Gerard recebeu o diploma da École Polytechnique e trabalhou inicialmente na indústria petrolífera. Mais tarde, ele colaborou com um amigo na invenção de uma nova técnica de engenharia civil (chamada de concreto protendido). Ainda mais significativamente, ele investiu sabiamente nesse empreendimento, que veio a ser uma inovação de construção de grande importância.
Enquanto isso, o irmão mais velho de Gerard, chamado Robert, seguiu o interesse pela história e as tradições do Tibete, que o levaram à sua reunião com Sua Santidade o XIV Dalai Lama, enquanto Ele ainda vivia no Tibete. Robert eventualmente se tornou um dos poucos discípulos ocidentais de Jamyang Khyentse Chökyi Lodrö, que, no final da década de 1950, estava morando no exílio no Sikkim. Depois de decidir deixar sua vida na França para continuar estudando em tempo integral com seu professor, Robert tragicamente bateu seu avião perto do aeroporto de Varanasi, enquanto viajava de volta para o Sikkim.
Com o luto pela perda de seu irmão, Gerard também se tornou atraído pela vida espiritual e fez amizade com Arnaud Desjardins, cineasta e produtor do célebre filme Mensagem dos Tibetanos. Então, no final da década de 1960, Gerard conheceu Kyabje Kangyur Rinpoche em Darjeeling, onde ele estava morando em exílio com sua esposa e seis filhos, incluindo Tulku Pema Wangyal Rinpoche e Jigme Khyentse Rinpoche. Esse foi um encontro que mudou sua vida. Gerard tornou-se um grande discípulo desse mestre e dedicou o resto de sua vida – incluindo seus consideráveis recursos – ao cumprimento da visão de Kyabje Kangyur Rinpoche. Esta visão incluiu ajudar a estabelecer o Buddhadharma na Europa.
Gerard não apenas convidou grandes mestres Tibetanos para vir ensinar na França, mas também ajudou a criar as condições que permitiram que seus ensinamentos lá florescessem. Ele também auxiliou praticantes individuais.
Ao longo dos anos, o Centro de Estudos de Chanteloube em Dordogne realizou vastas atividades na propagação do Buddhadharma, graças em grande parte à assistência material de Gerard, bem como ao seu compromisso pessoal e participação. Durante muito tempo, Gerard foi vice-presidente da Associação do Centro de Estudos de Chanteloube e então atuou como presidente de 1997 até 2009, quando sua saúde em declínio o obrigou a se aposentar.
Seus impulsos de caridade, no entanto, não se limitaram às atividades budistas. Gerard criou várias fundações que preservam e apoiam a cultura Tibetana e comunidades Tibetanas no exílio na Índia, e ele silenciosamente cuidou de pessoas em dificuldade em outros lugares – ajudando os pobres e idosos, além de proporcionar educação para crianças em necessidade. Ele foi um benfeitor da Madre Teresa na Índia e assistiu um hospital para leprosos em Calcutá. Ele contribuiu generosamente para a ATD Quart-Monde (uma organização que trabalha para aliviar a pobreza em 30 países ao redor do mundo) e mais tarde tornou-se patrocinador do Restos du Coeur (uma organização que distribui comida aos pobres e aos sem-teto, com auxílio especial para bebês).
E, no entanto, Gerard era uma pessoa de tão extraordinária modéstia e discrição, que poucas pessoas conheciam a extensão de sua generosidade.
Combinando uma cortesia antiga com um senso de humor um tanto descuidado e irônico, Gerard hospedou todos os seus professores quando passaram por Paris em seu apartamento na Avenida Victor Hugo. Sua mãe, médica e psicanalista, tratou pacientes na França e na Bélgica durante a Segunda Guerra Mundial. Ela morava no apartamento abaixo de Gerard.
Kyabje Dudjom Rinpoche, Kyabje Dilgo Khyentse Rinpoche, o 16º Karmapa, Nenang Pawo Rinpoche, Kyabje Trulshik Rinpoche, a família de Kyabje Kangyur Rinpoche, Nyoshul Khen Rinpoche – todos eram seus professores, e esses grandes mestres estiveram no apartamento de Gerard em numerosas ocasiões. Quando o apartamento estava cheio de convidados, Gerard dormia em outro lugar, perguntando silenciosamente a um amigo se ele ou ela poderia emprestar uma cama para aquela noite.
Entre 1980 e 2002, Gerard participou de três retiros tradicionais de três anos no Centro de Estudos de Chanteloube e, durante o segundo desses retiros, recebeu a ordenação monástica completa de Kyabje Trulshik Rinpoche. Nesse retiro, quando todos os participantes trabalharam em turnos para cozinhar a refeição principal do meio dia uma vez a cada duas semanas, Gerard foi dispensado desta responsabilidade. Esta dispensa foi oferecida principalmente como um gesto de respeito, mas também era uma tática prática; Gerard era um homem que não sabia nada sobre as tarefas domésticas. No entanto, Gerard sendo Gerard, ele insistiu em assumir a sua vez como todos os outros, e todos os envolvidos sofreram as consequências com bom humor.
Após esses longos retiros formais, Gerard continuou a viver em estreito contato com a família de Kyabje Kangyur Rinpoche em Dordogne, onde dedicou todo o seu tempo à prática de meditação.
Quando Gerard morreu, ele permaneceu sentado em meditação em uma postura ereta, seu coração ainda quente depois de uma semana, com a pele suave e um tanto radiante. Quando seu corpo foi cremado, suas relíquias cardíacas permaneceram teimosamente não consumidas entre as cinzas. Essa marca de realização espiritual é rara em qualquer cultura, em qualquer momento. Não é de se admirar que nossos professores freqüentemente falassem dele como um exemplo de verdadeiro praticante: ele era simples e sem pretensão; carinhoso, honesto, com bom coração e humilde; e ele sempre colocou os outros em primeiro lugar, não guardava nada para seu próprio conforto. Recordar a vida de Gerard é um presente para todos nós.